
A Universidade Federal de Sergipe entrou na mira do MPF por um caso surreal. Em maio deste ano, a instituição de ensino foi palco de um encontro da Juventude Petista. Além de abrir suas portas para o evento partidário, a federal atribuiu ao encontro petista, segundo o MPF, “caráter de ‘atividade de extensão curricular’”.
A situação acabou gerando um inquérito diante da constatação de que a universidade federal, além de tratar o encontro petista como conteúdo curricular, permitiu até atos de filiação no ambiente acadêmico.
É o que diz o MPF: “A universidade patrocinou evento de militância partidária, junto ao Partido dos Trabalhadores, ofertando o evento da Juventude Petista e momento de filiação partidária, como atividade de Extensão Curricular, promovendo-o e agraciando aqueles que participassem em 8 horas e certificado via SIGAA – Acadêmico”.
O tal evento se deu, segundo o MPF descobriu, no auditório do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da federal sergipana. Teve até convocatória pelo WhatsApp: “Gente o encontro de estudantes petistas está registrado no sigaa e vale 8 horas complementares, orientem os alunos internos e externes se inscreverem. Nome do evento no sigaa: Encontro Estudantil: assistência estudantil, permanência e políticas afirmativas”.
O MPF ouviu o coordenador da atividade de extensão da federal e o chefe do Departamento de Ciências Sociais. A resposta é curiosa: “A instituição possuía a tradição de acolher e fomentar debates relacionados aos movimentos e políticas estudantis, especialmente aqueles voltados à assistência discente, às ações afirmativas e às políticas de permanência e equidade no âmbito
da esfera pública”.
Sobre a alegação de que o evento teria sido organizado por parte da Juventude do Partido dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Município de Aracaju, a federal afirmou que “tal alegação não corresponde à realidade fática e institucional da atividade”.
“Trata-se, na verdade, de uma ação de extensão universitária regularmente proposta, aprovada e executada por docente e estudantes de graduação da Universidade Federal de Sergipe”, disse a federal.
O MPF, no entanto, pegou a instituição na mentira. Além de encontrar as convocações para o encontro nas páginas do PT de Aracaju nas redes sociais, identificou que as acadêmicas que faziam parte da organização do encontro eram filiadas ao movimento jovem petista.
“O MPF verificou que, na prática, houve desvio da finalidade pública e democrática pela comissão organizadora da atividade de extensão, que a instrumentalizou para fins político-partidários… O MPF identificou que pelo menos dois discentes da comissão organizadora do evento não só integravam a ‘Juventude Petista’ como compareceram ao evento trajados como tal. A atividade de extensão consistia, na verdade, no ‘Encontro Estadual de Estudantes Petistas’, descrito como um ‘momento crucial de organização da Juventude do PT nas escolas e universidades’, em um inequívoco ato de proselitismo político”, diz o MPF.
“A instrumentalização da universidade para fins político-partidários (quaisquer que sejam) desvirtua sua missão fundamental, que é a de ser um espaço plural e autônomo de busca pelo conhecimento e de formação de cidadãos, ferindo os alicerces democráticos e republicanos sobre os quais a educação superior pública se sustenta”, diz o MPF.
O órgão baixou um ato em que faz recomendações ao reitor da federal:
1. Adote as providências administrativas cabíveis para assegurar que as atividades de extensão não sejam instrumentalizadas para fins político-partidários, tanto na fase de análise da proposta como na de execução;
2. Forneça as diretrizes necessárias aos chefes de cada departamento da UFS a fim de que eles adotem as providências administrativas cabíveis para assegurar que as atividades de extensão não sejam instrumentalizadas para fins político-partidários no âmbito de seus departamentos, tanto na fase de análise da proposta como na de execução.
Adverte-se que a omissão no cumprimento da recomendação ou na remessa de resposta no prazo indicado ensejará os seguintes efeitos: (a) constituir em mora o destinatário; (b) tornar inequívoca a demonstração da consciência da ilicitude do que foi recomendado; e (c) constituir elemento probatório em sede de eventuais ações judiciais.
Requisita-se que a Universidade Federal de Sergipe divulgue, adequada e imediatamente, o conteúdo desta recomendação em seus sites e redes sociais institucionais, visando a garantir a máxima efetividade do instrumento, com amparo no art. 9º da Resolução nº 164/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público.
O MPF requisita ainda que a Universidade Federal de Sergipe informe, no prazo de 30 (trinta) dias, se irá acatar ou não a presente recomendação e apresente, em caso positivo e no mesmo prazo, elementos comprobatórios da adoção das medidas recomendadas, com fundamento no art. 10 da Resolução nº 164/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público.
Coluna Radar – Revista Veja